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Memórias de Mim #001



Eu devia ter uns 14 ou 15 anos e era daquelas garotas deprimidas, naquela época eu fazia terapia 2 vezes por semana - meu pai e minha madrasta achavam que tinha algo errado comigo, ok então...


Sobre a cabeceira da minha cama, tinha uma prateleira que meu pai tinha feito pra mim e que eu tinha tratado de encher de livros - eu lembro que naquela época eu não queria juntar meus livros com os livros da minha madrasta, sabe-se lá se ela não ia me acusar de pegar os livros dela se estivessem todos misturados.


Num desses dias normais, eu não conseguia parar de chorar, mas eu chorava muito mesmo, encolhida na cama na esperança de diminuir a ponto de quem sabe sumir.

Meu pai apareceu querendo saber o motivo de tanto choro. Nem eu sabia, como é que poderia explicar? Eu não dizia nada, só me encolhia mais e continuava chorando copiosamente.

Num dos ataques de agressividade bem comuns que ele tinha no qual ele quebrava tudo o que encontrava pela frente - a próposito,  muito comuns desde que me conheço por gente - a estante veio abaixo trazendo junto todos os livros que estavam acomodados nela e junto com os livros uma série de insultos que faço questão de esquecer.

Naquele dia, o peso da estante sobre minha cabeça foi o que menos machucou.


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I won't back down



Dessas coisas que não tem muita explicação, só acontecem e você fica ali, coçando a cabeça e pensando:


"-Oi?"

Eu só queria dormir umas 20 horas e quando acordar descobrir que nada do que está acontecendo é de verdade, que pode ter sido um sonho. ou pode mesmo ter acontecido, mas depois de acordar eu descobrir que já foi, já passou e agora não importa mais.

O random trouxe Johnny Cash e ele disse "hey baby, there ain't no easy way out". O que eu queria? Eu queria que essa música não fizesse o menor sentido pra mim, queria que fosse só mais uma música bonitinha e agradável de ouvir mas como essa vida é uma sacana, eu só tenho mesmo é vontade de chorar.

Eu continuo aqui tentando ter uma visão otimista das coisas, desse mundo que está me engolindo, desses tapas que a vida tem dado na minha cara - um atrás do outro sem que eu sequer tenha alguma chance de me defender, de me colocar de pé antes de outro tapa vir.

"I won't back down"

Eu vou ficar repetindo isso como um mantra pra ver se as coisas voltam ao seu lugar, porque olha, tá foda.

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Sem Título #092


Virei estudante. Daqueles cursinhos preparatórios para vestibular, porque eu acho que eu sei o que vou ser quando crescer, mas veja bem, eu só acho.

Então eu fiz matrícula, paguei primeira mensalidade, tracei rotas e tudo mais. E adivinhem só: fui estudante por um dia, parabéns para mim que estou mais uma vez fodendo com tudo.

Eu não sei muito bem o que dizer sobre isso, nem tenho desculpas para dar, tamanha falta de deslocamento a minha, mas ficar 4 horas numa sala sem janelas com mais umas 70 pessoas desconhecidas, sem ar condicionado não me pareceu uma coisa muito sensata a se fazer depois de um dia inteiro de trabalho. Fora isso tem o estacionamento também que é mais caro que o estacionamento que eu deixo a moto durante todo o dia lá no trabalho. E tem a Radial Leste também que sozinha já seria o suficiente para justificar tudo. Tá bom, não é só a Radial Leste, é uma mistura bizarra de quase todas as piores avenidas para se passar no horário de pico, segue a lista em ordem: Tancredo Neves, Anhaia Melo, Salim Farah Maluf e por fim a Radial Leste, acho que só isso já dá uma noção do sofrimento, certo?

Não, eu não estou esperando que as coisas sejam fáceis, eu só queria mesmo é nascer sabendo que seria médica, ou veterinária, ou dentista, ou qualquer coisa, mas pelo jeito que as coisas andam vou acabar entrando para a faculdade de administração, quando chegar aos trinta.

Torçam por mim!


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Sem Título #091


São dez meses, aproximadamente.

Dez meses usando uma motocicleta como meio de transporte e nada havia acontecido até hoje.

Não foi nada grave, eu não fiz nada de errado, mas fui única prejudicada com isso. 

Estávamos andando na via direitinho, na mão certa, o cara bateu a frente do carro dele na lateral da nossa moto, nós caímos, ele não se preocupou e foi embora acelerando naquele carro verde e tudo o que ficou foi o manete da embreagem quebrado,  hematomas na minha perna, no meu peito e no joelho do meu moço e a probrezinha da moto toda torta na frente. Eu ali caída com a moto sobre a perna esquerda, todos nos olhando.

O que me deixou puta mesmo, é que o cara não parou para saber se estava tudo bem, ele só fugiu. Apesar de ele ter cortado uma via e batido em alguém que estava andando na preferencial, direitinho, eu sei que acidentes acontecem, ele poderia não estar num bom dia, ter brigado com a namorada, a gente fica desligado mesmo, acontece, mas o que custava ter parado para saber se estava tudo bem? Como é que alguém causa um acidente e consegue ir embora sem saber se a pessoa que ficou para trás está bem, se está viva, se está tudo no lugar, como? Como é que você só vai embora? Que tipo de pessoa faz isso?

Não anotei placa, não fui atrás do cara. Tudo o que consegui fazer foi chorar, porque é isso que eu faço quando não há mais nada a se fazer. 

As pessoas sempre diziam que moto era perigoso ainda mais para uma moça, e eu sempre dizia toda orgulhosa que magina! eu nunca tinha nem caído! Agora não posso mais dizer isso. Na verdade eu não caí, fui derrubada, isso conta? Posso continuar dizendo que nunca caí?

:)


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Um dia memorável

"O dia fora memorável, pois causara grandes mudanças em mim. Mas, todas as vidas são iguais. Pense num dia qualquer, e o subtraia, e veja que, sem ele, sua vida teria um rumo inteiramente diferente. Faça uma pausa, você que lê estas palavras, e, por um momento, pense na imensa corrente de ferro ou de ouro, de espinhos ou flores, que talvez jamais o tivesse encadeado, não fosse a formação do primeiro elo de um dia memorável."

Grandes Esperanças - Charles Dickens
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Tudo na vida é questão de escolha, e eu nunca vou entender como é que eu fiz para ser tão certeira nesta escolha que fiz.

Há quatro anos atrás chegou em São Paulo o gaúcho mais legal do mundo, com algumas caixas, uma mochila e uma guitarra nas costas.

A nossa casa era pequena, velha e alugada com a junção dos nossos salários mínimos. Nela, tinha apenas um colchão de solteiro e um sofá-cama. Nos primeiros dias não tinha nem energia elétrica e a gente tomava banho na água fria, mas nunca fomos tão felizes.

Ele trabalhava em casa e eu há 20 minutos de lá.

Almoçávamos juntos quando dava e eu passava a hora do almoço no bosque com ele, fazendo planos e sendo feliz.

Aos poucos as coisas foram se ajeitando. Dificuldades apareceram e foram embora, porque juntos não temos limites - embora esse tal de limite seja insistente a gente sempre conseguiu colocar ele pra correr.

Nem sempre foi fácil, mas a gente conseguiu. 

Hoje, depois de quatro anos, temos três gatos engraçadinhos, um apartamento legal, uma moto que é nossa maior companheira, um amor que não para de crescer e a certeza de que a escolha de quatro anos atrás foi a melhor que poderíamos ter feito na vida. E as dificuldades? Isso é só o resto, e resto é resto.

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Sem Título #090



Coisas para se fazer numa noite de chuva

- Aprender a ler
- Olhar para o teto
- Expandir o vocabulário (porque chega de 'mano' e todas aquelas palavras que se aprender na prisão, né?)
- Fazer sexo 
- Assistir a novela
- Procurar no Google a função do fone de ouvido
- Ficar no 'face'
- Ouvir funk

Nesta madrugada, enquanto tentava dormir, eu fiz mentalmente uma lista infinita de coisas que as pessoas poderiam fazer que não incomodasse, mas ao invés disso, eis a lista do que preferiram fazer:

- Ficar no hall do prédio falando alto além do horário permitido. 
- Também tem aquele vizinho do térreo do outro prédio que enche a cara e/ou se droga e fica berrando palavrões horrorosos.
- O vizinho do apartamento de cima do meu fica arrastando coisas durante a noite - talvez seja alguma tipo de hobby bizarro.

Eu não sei quanto tempo essa coisa toda durou essa noite, mas veja bem, quando fui tentar dormir era umas 10h30 da noite e as 3h20 da madrugada eu ainda não tinha conseguido.

O que mais desanima nisso tudo é o sacrifício que foi e ainda está sendo feito pra comprar esse apartamento incrível nesse lugar de merda.

É desanimador perceber quantidade de coisas que eu poderia estar fazendo mas não estou porque ao invés disso estou no sufoco com o namorado tentando pagar esse apartamento.

Depois dessa noite maravilhosa eu penso: 'ótimo, pior que isso não fica, certo?'

Errado!

Sou uma moça motociclista que não tem aquela roupa de chuva linda que motociclistas usam, sendo assim, toda aquela chuva de hoje de manhã ainda está aqui, dentro do meu coturno e na minha calça que ainda está úmida - as quatro da tarde.


Eu acho que a gente poderia ter uma cota diária de aborrecimentos para que a vontade de desistir de tudo não fosse assim, tão constante.




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