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42!

Você percebe que precisa melhorar suas relações pessoais quando....

Na aula de microbiologia o professor faz uma pergunta à turma.

Silêncio, porque ninguém sabia a resposta.

-Replicação - digo eu, após alguns instantes.

Os colegas ficam olhando espantados. O rapaz da frente vira pra mim e diz:

-Nossa Vanessa, agora você me surpreendeu, hein?

Eu o surpreendi.

Tudo isso porque eu falei na aula.

Sem Título #023





Solenemente sentou-se e começou a pensar. Aquela seria a última vez que ela usaria aquela máquina de escrever.


Escreveu duas linhas. A ponta de seus dedos doiam. Resolveu escrever a próprio punho, isso a livraria da dor. Releu o havia escrito, mas não gostou daquilo. Triste demais, melancólico demais.

Parecia que estava lendo um poema de Álvares de Azevedo. Não era isso o que queria. Passara a vida toda nessa tristeza, nessa melancolia que só 'Lira dos Vinte Anos' poderia descrever. Não era isso o que queria. Queria a alegria, o contraste, a beleza, porque agora ela seria feliz, se livraria dessa face que não gostava, dessa família que só lhe trazia vergonha, de si mesma, que não soubera aproveitar a dádiva que é viver, porque não sabia e porque ninguém a ensinara.

Rasgou o papel com fúria, como quem rasga a própria vida, a própria existência e começou a escrever de novo, como quem pode começar a viver novamente, do nada, numa folha de caderno.

Tentou lembrar-se de coisas boas.

Lembrou-se do dia em que, ainda criança, andou de teleférico em Campos do Jordão. "-Que coisa mais linda! E como esse mundo é grande!" - pensou ao lembrar do o horizonte que vira lá do alto, com aquele brilho que só quem é criança pode ter nos olhos. Estava de alguma forma revivendo aquilo. E assim, lembrou que em sua vida não haviam apenas lembranças ruins, que mesmo poucas, mas haviam coisas que a faziam sorrir por um breve instante.

Fez uma lista de todas pessoas que havia encontrado em sua breve existência e sem querer, percebeu o quanto aprendeu com cada uma delas. Coisas boas. Coisas ruins. Coisas que a tornara melhor. Coisas que a fizera perceber que existem pessoas ruins no mundo. Pessoas que ela ajudou e que ao mesmo tempo a ajudou, fazendo com que ela se sentisse útil.

Não. Sua vida não era só de tristezas, e nesse momento ela estava estava aprendendo a conhecer quem era a tal da vida e descobriu que ela, a vida, não era alguém tão ruim assim. E que ainda que fosse ruim, sabia que valia a pena continuar tentando.

Dobrou o papel e o colocou no mural e seu quarto, junto com as fotos de sorrisos que se tornaram eternos, assim como aquele.

Colocou seu All Star batido, o mp4 no bolso e saiu...

Para ver o pôr-do-sol novamente.

Como ainda faria por muitos e muitos anos.



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Sem Título #022




"Apesar da pouca idade, já conhecia os danos que a solidão era capaz de causar nas pessoas, principalmente quando ficam velhas.

Encontrara pessoas que haviam perdido todo o brilho de viver, porque não conseguiam mais lutar contra a solidão, e acabaram ficando viciadas nela, eram pessoas que achavam que o mundo era um lugar sem glória, que gastavam suas tardes e noites falando sem parar dos erros que os outros haviam cometido.

Eram pessoas que a solidão havia convertido em juízes do mundo, cujas sentenças se espalhavam aos quatro ventos, para quem quisesse ouvir"


Brida, Paulo Coelho


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Sem Título #021



"Tudo se resumia ferozmente em nunca dar o primeiro grito - o primeiro grito desencadearia todos os outros, o primeiro grito, ao nascer desencadeia uma vida, se eu gritasse acordaria milhares de seres gritantes que iniciariam pelos telhados um coro de gritos e horror.
Se eu gritasse desencadearia a existência - a existência de quê? A existência do mundo. Com reverência eu temia a existência do mundo para mim."


Clarice Lispector




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Sem Título #020

Meu oftalmologista é um senhor de 50 e poucos anos. Cabelo branquinho e óculos.

Hoje eu fui lá pra fazer o teste de lente de contato e depois de mais de uma hora esperando e ouvindo conversas de idosos na sala de espera, chegou minha vez.

Entrei na sala e aquela coisa de sempre, cumprimenta, e enquanto prepara as coisas pra fazer os procedimentos ele pergunta no que eu trabalho:

-Ah, tô desempregada agora.
-Ah tá...Trabalhava com o quê?
-Com vendas, numa empresa.
-Hum. Então, seu grau não aumentou, viu. E você pode usar lente gelatinosa mesmo, sem problemas.
-Ahããm.


Dai na mesinha de procedimento:

-Você trabalha no quê?
-Então, tô desempregada.
-Hum...mas trabalhava com o quê?
-Com vendas


De volta pra mesa dele pra anotar as informações:

-Hum. Qual sua idade?
-Tenho 19.
-Quando fizer 21 você pode operar. Sabia disso, né?
-É, o senhor me disse da outra vez.
-Trabalha no quê?
-Como eu disse, eu estou desempregada, sabe?
-Ah...

Dai entra o secretário dele

-Com licença, Doutor, o retornodo Sr Zezinho é pra marcar pra quando?
-Ué, mas eu disse pra ele.
-Ah, é que ele não se lembra...
-Hum, é pra daqui a 10 dias, eu disse isso pra ele.
-Ah, obrigada.

O secretário sai.

-Esses idosos! Acabou de sair daqui da sala e nem se lembra quando é pra remarcar! Eu falei pra ele que era daqui a 10 dias. Eles esquecem só de andar daqui da sala até a recepção! Essas pessoas de idade tem dificuldade com a memória, né?

Eu que o diga!



Sem Título #019






Tentei moldar a perfeição, tentei uma fábrica de sonhos...

A falha foi que os sonhos foram frustrados.

Tentei construir asas de cera pra voar rumo a dias mais bonitos, mas desisti.

Sei por Icaro que não é uma boa idéia.

Tentei conformar-me e esperar quieta, mas não sei calar, nem em meu erro. Não dá para sufocar o grito desnecessário.

Tantos esforços e depois de tudo me encontro aqui, vazia...

Não sei se foi perda de tempo ou esperança, mas estou disposta a aceitar a verdade.


Sem Título #018

Em uma cidade pequena sigo por uma rua até dar de cara com uma bifurcação em "T"



Viro a direita e ando até encontrar outra bifurcação na mesma forma.

Desta vez, escolho ir para a esquerda;

E assim vou repetindo sucessivamente, só para descobrir até onde consigo chegar.

Um tempo depois acabo entrando numa via grande que não dá para nenhuma bifurcação,

E decido retornar.

O problema é que todas as vias que antes eram bifurcações, transformam-se em simples entradas laterais irreconhecíveis.

"Isso é misterioso! Deve haver um truque", pensava eu em minha boba infância enquanto era obrigado a perguntar o caminho de volta pra casa.

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Construir ou Plantar

"Os construtores podem demorar anos em suas tarefas, mas um dia terminam aquilo que estavam fazendo. Então param e ficam limitados por suas próprias paredes. A vida perde o sentido quando a construção acaba.

Mas existem os que plantam. Estes ás vezes sofrem com as tempestades, as estações e raramente descansam. Mas ao contrário de um edifício, o jardim jamais para de crescer. E, ao mesmo tempo que exige a atenção do jardineiro, também permite que para ele, a vida seja uma grande aventura.

Os jardineiros se reconhecerão entre si - porque sabem que na história de cada planta está o crescimento de toda a terra"


Brida - Paulo Coelho


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