Solenemente sentou-se e começou a pensar. Aquela seria a última vez que ela usaria aquela máquina de escrever.
Escreveu duas linhas. A ponta de seus dedos doiam. Resolveu escrever a próprio punho, isso a livraria da dor. Releu o havia escrito, mas não gostou daquilo. Triste demais, melancólico demais.
Parecia que estava lendo um poema de Álvares de Azevedo. Não era isso o que queria. Passara a vida toda nessa tristeza, nessa melancolia que só 'Lira dos Vinte Anos' poderia descrever. Não era isso o que queria. Queria a alegria, o contraste, a beleza, porque agora ela seria feliz, se livraria dessa face que não gostava, dessa família que só lhe trazia vergonha, de si mesma, que não soubera aproveitar a dádiva que é viver, porque não sabia e porque ninguém a ensinara.
Rasgou o papel com fúria, como quem rasga a própria vida, a própria existência e começou a escrever de novo, como quem pode começar a viver novamente, do nada, numa folha de caderno.
Tentou lembrar-se de coisas boas.
Lembrou-se do dia em que, ainda criança, andou de teleférico em Campos do Jordão. "-Que coisa mais linda! E como esse mundo é grande!" - pensou ao lembrar do o horizonte que vira lá do alto, com aquele brilho que só quem é criança pode ter nos olhos. Estava de alguma forma revivendo aquilo. E assim, lembrou que em sua vida não haviam apenas lembranças ruins, que mesmo poucas, mas haviam coisas que a faziam sorrir por um breve instante.
Fez uma lista de todas pessoas que havia encontrado em sua breve existência e sem querer, percebeu o quanto aprendeu com cada uma delas. Coisas boas. Coisas ruins. Coisas que a tornara melhor. Coisas que a fizera perceber que existem pessoas ruins no mundo. Pessoas que ela ajudou e que ao mesmo tempo a ajudou, fazendo com que ela se sentisse útil.
Não. Sua vida não era só de tristezas, e nesse momento ela estava estava aprendendo a conhecer quem era a tal da vida e descobriu que ela, a vida, não era alguém tão ruim assim. E que ainda que fosse ruim, sabia que valia a pena continuar tentando.
Dobrou o papel e o colocou no mural e seu quarto, junto com as fotos de sorrisos que se tornaram eternos, assim como aquele.
Colocou seu All Star batido, o mp4 no bolso e saiu...
Para ver o pôr-do-sol novamente.
Como ainda faria por muitos e muitos anos.